domingo, 19 de agosto de 2012

Impertinências


Impertinências...[1]
            Impertinências minhas...
            O homem sofre com a chegada da velhice as mais decepcionantes revelações. Não raramente o liberal se torna avarento; o aparentemente morigerado e de costumes puros, relaxa-se a ponto de não controlar palavras nem ações. Até insultos da inveja ele tem de suportar. Assalta-o uma inveja descomedida dos moços. Daí as incompreensões e censuras. Rejuvenescer para ele é constante obsessão. De hipócrita torna-se cínico, pois para ele tudo é natural...
            Quando moço, eu via tudo cor de rosa: todas as mocinhas muito puras; todos os rapazes muito bem intencionados. Todos os padres, homens de bem, honestos, interessados somente nas coisas da Igreja, zelosos pelas coisas de Deus. As freirinhas para mim eram todas umas santas. Incapazes de um gesto agressivo, de uma ação feia, dignas de todo respeito e consideração. Mesmo as das santas-casas-de-misericórdia. As mães de família sempre me pareciam honestas e respeitadoras do nome do marido. Os maridos, na minha ingenuidade, eram sempre perfeitos cavalheiros, incapazes de atos desabonadores, canalhas. Todos os portadores de títulos de profissão liberal, como médicos, advogados, guarda-livros, todos cumpriam integralmente o juramento da colação de graus.   Até os comerciantes para mim eram honestíssimos. Todos os homens eram meus irmãos.
            Anos vindo e dilapidando meu frontal, branqueando bigodes e barba. Eu mesmo sofrendo os desgastos da idade, não somente no físico como no intelectual e moral,  ao ponto de reconhecer hoje, perfeitamente, que vida longa não traz nenhuma vantagem ao homem, senão em casos raríssimos.
            A quantos sacerdotes ou professores, julguei incapazes de certos gestos, modos de ver que a mim repugnavam como menos corretos, perfeitos, e hoje, principalmente, com as “inovações” do pós-concílio, terríveis revelações a todos decepcionam.
            Declarações à imprensa de bispos e padres me têm feito estarrecer. Clérigos que, assim, se me revelam despidos de qualquer espírito eclesiástico, homens mais profano que qualquer membro do laicato.
            Eu conheci, faz alguns anos, um sacerdote que me parecia muito menos padre que sua irmã... E como este (que é com Deus), muitos padres têm havido neste planeta. Depois, então, que deixaram de lado a batina para vestir modestos slacks[2] que proscreveram a tonsura eclesiástica e, assim, podem freqüentar todos os meios ambientes) ainda recitam o breviário abreviado? Chego até a duvidar! e baniram atitudes que tão bem os caracterizavam, as coisas se tornaram insuportáveis, pois até o canto litúrgico recém adotado irrita pela sua descaracterização do sagrado.
            Chego agora ao que nunca supus chegasse: a desejar que a Santa Sé acabe de vez com a medida disciplina do celibato, porque essa coisa “celibato” tornou-se inanis et vácua, [3] na mais lídima expressão bíblica, para muitos “celibatários”.
            Contavam, há oitenta anos, que um vigário velho da terra de meus avós subiu certo dia ao púlpito de sua matriz com voz repassada de amargura, assim falou: “- Meus irmãos: Foram dizer ao sr. Bispo de Olinda que vivo amasiado e que tenho sete filhos. Mas isto, além de grosseira inverdade, é uma infâmia. Eu tenho é dezoito filhos”....  
            Anedota irreverente ou fato verídico, o homem é sempre o mesmo. Anseia pela perpetuação do seu ego através da descendência, como é levado a da às suas glândulas endócrinas, o destino que elas têm. Hoje, quando me aproximo de um sacerdote (embatinado ou desbatinado), sem querer, me confranjo em  beijar-lhe a mão ungida nos santos óleos, no dia memorável de sua ordenação, pois, uma dúvida terrível me atravessa o cérebro, como aziago relâmpago: Será este um sacerdote segundo o coração de Deus ou, desgraçadamente, um homem dominado pela ambição do dinheiro e escravo do sexo como o comum dos mortais? Sim, porque a avareza e o relaxamento dos costumes são suas grandes tentações. E o enfraquecimento da fé.
            A velhice torna o homem cético. E isto é um grande mal. Envelheci. Hoje – repito – chego a desejar que se permita aos padres e bispos católicos casarem-se, se assim desejarem. Com tal permissão havíamos de ver quantos padres e quantos bispos, por esses brasis e alhures, abraçariam o estado matrimonial. Chegariam à legião? Talvez chegassem à legião, embora a sabedoria popular diga que “casar é bom, não casar é melhor”. Que “mulher é charada eterna que ninguém decifrará. Nada há melhor que ela, mas, pior também não há.” (Quadrinha popular)  
Ninguém é obrigado a escolher melhor... Eu mesmo já me casei duas vezes e, se muito tenho sofrido, muito mais tenho feito sofrer.
Casem, minhas gentes, casem e verão. Talvez um dia “passe” o divórcio para os arrependidos. Isso de ser o divórcio contra a doutrina cristã, tanta outra coisa é contra a doutrina cristã...
Eu continuo anti-divorcista. Para mim ele seria dose cavalar, mesinha que levaria cedo ao túmulo. Se minha vida é ruim com ela, muito pior seria sem ela...
Continuo a favor da manutenção do celibato eclesiástico pelas altíssimas razões que o implantaram e ainda – observe-se – na foram removidas.
Para onde vamos? Não sei, ninguém sabe, quando num país, que se diz cristão, a homossexualidade tem a tutela da lei...Que será de nós? Com o que vem ocorrendo nos nossos arraiais, nhá muita gente abismada, mas certamente, ninguém mais abismado que Paulo VI. Muito mais do que se passa no Vietnam, deve afligi-lo o que se passa na Barca de Pedro. (Só se eu estiver redondamente enganado).
É chegada a hora de retirar a máscara do rosto de muitos que a usavam para “ganhar a vida”.
Ah! Velhice desabrida e cruel... Por que tanto me fazes sofrer?  


[1] Últimas Crônicas, 1970
[2] Calças largas, folgadas. (N do E)
[3] Vazio e sem forma. (N do E)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Frades estrangeiros


Frades Estrangeiros[1]


No livro de Gilberto Freyre “A propósito de Frades” à pág. 32, lemos:
“-Não que os frades, em geral, e os franciscanos, em particular, que passam pela história brasileira nem sempre sem outro ruído que o das suas sandálias de bons religiosos ou o da sua voz de pregadores sacros, tenham sido todos uns santo-antônios-onde-vos-porei. De modo algum. Sabemos que sob nomes seráficos de homens aparentemente só de Deus, chamados da paz, dos Anjos, do Salvador, de Jesus, da Purificação, do Sacramento, de Santa Rosa, da própria Santíssima Trindade, agitaram-se políticos mias zelosos das liberdades do século que das verdades eternas; mais apegados a causas do momento que às de sempre; e que sob nome de servos de Maria, Santíssima, vibraram corações apaixonados, alguns deles por marias apenas de carne e virgens somente da terra. Foram esses frades mais do mundo que do claustro; ou mais dos reis que do Rei dos reis.”
Reivindicando para padres religiosos a boa fama a que fazem jus, nosso saudoso Dr. Carlos de Laet, a 22 de maio de 1903, no Círculo Católico do Rio de Janeiro, pronunciou bela conferência, que teve por tema “O frade estrangeiro”. Como soube ele defender esse amigo do Brasil, olhado de soslaio pelos republicanos positivistas dos primeiros dias do século vinte! Li mais de uma vez a conferência de Laet e não regateei aplausos. Ainda penso como ele. Não obstante, estou convencido de que hoje Laet escreveria semelhantes louvores, indistintamente, aos frades estrangeiros.
Franciscanos, jesuítas, beneditinos, capuchinhos e também os dominicanos, prestaram relevantíssimos serviços à Igreja e ao Brasil. Mas, hoje se vê tanta coisa pelo avesso, que muito a contragosto, chego a lembrar-me da época em que expulsamos franceses e holandeses de nossas terras com a intrusos nocivos, inimigos do Brasil colônia. Terão voltado àqueles dias de provação para que devamos, pelas armas pacíficas da diplomacia, defender-nos das investidas, já não de protestantes franceses e batavos, mas, para livrar-nos da ação nefasta de alguns que, tendo recebido os carismas do Espírito Santo, insurgem-se contra a nação que tão fidedignamente os acolheu para cumprimento de sua missão específica, - a de implantar o reino de Cristo nas almas – e se põem a filosofar credos políticos exóticos, insuflando-os aos moços de entusiasmo fácil, mas de inexperiência manifesta?
Não digo que esses religiosos não procurem disseminar a doutrina da sociologia cristã, baseados nos ensinamentos das encíclicas papais, interpretadas sabiamente, de Leão XIII, Pio XI, João XXIII ou Paulo VI. Antes, é bom e justo fazê-lo com afinco para implantação crescente dos ideais cristãos que, em resumo, consistem em que haja, dia a dia, pobres menos pobres e ricos menos ricos. Mas, não é compreensível que exorbitem de sua missão sacerdotal para imiscuírem-se, sistematicamente, em movimentos subterrâneos de caráter nitidamente político, como vem acontecendo ultimamente, segundo se lê nas folhas diárias, e se ouve nos noticiários radiofônicos.
Pobres conventos, desgraçados mosteiros, nefandos colégios onde não se encontre mais a disciplina religiosa, nem fé, nem caridade autenticas. Aí se encontra amiúde dolorosa carência do espírito monástico, que é o de obediência, crescente gosto de mundanismo. Parece até que o demônio – em que alguns já não acreditam – tomou conta deles para servir-se de pessoas a Deus consagradas, fazendo-as disseminadores ou mentores de doutrina não ortodoxa, e de sistemas excêntricos, que ao povo brasileiro repugnam abismo pectore. Antes, retornassem precipites à pátria, em paz e livres de vexames, para que os poderes constituídos (a quem todos devem respeito), não se vejam obrigados a adotar medidas violentas.
Aos “ultra-avançados” daqui e de todo o resto do Brasil – holandeses, franceses, alemães, americanos – aqui fica um pedido: deixem-nos em paz, pois, antes sós do que mal acompanhados. Nas suas terras de origem, também há muito o que fazer. Ah! Os apóstolos dos países altamente civilizados!... Vão recristianizar seus povos, que estão dominados por doutrinas heréticas, escravizados por estranhíssima moral. Nós brasileiros somos cristãos. Assistem-nos nada menos de duzentos e cinqüenta bispos e cinco cardeais que, se incendiados pelo fogo da caridade divina, bastariam para operar o milagre da cristianização ou recristianização de todos os brasileiros, auxiliados como sempre pelos sacerdotes indígenas, também pelos estrangeiros fiéis à ortodoxia, respeitadores da lei do país. E quantos leigos capazes, e de boa vontade, há por aí, aguardando que a hierarquia os chame para missões que lhes ficariam muito bem? Será que os bispos brasileiros não têm confiança nos seus leigos?... Sem chamá-los, como irão pregar e batizar? “Não mandava profetas... e eles corriam” dizia o Espírito Santo, pela boca de Isaías. Onde estão as dezenas de diáconos “restaurados”? Temos um catecismo que não é brasileiro, nem privativo de nenhum país, porque, simplesmente, um catecismo da doutrina cristã e católica, isto é, universal.
Estamos, assim, bem servidos. Temos a Providência que, dia e noite, vela por nós. Temos Mãe no céu, e Senhora Mãe e Advogada, Rainha e Protetora. Por que tanto temor? O próprio Núncio Apostólico, se se tornasse para nós persona non grata a nação, o povo brasileiro, o Governo civil e a hierarquia eclesiástica têm a competência para apontar-lhe o caminho de regresso à sua pátria, depois das necessárias démarches junto ao Vaticano. Sim, porque padres indisciplinados, suspeitos e ordinários já não são raros entre nós. Dispensamos estrangeiros que forem desse jaez, os que, simultaneamente, vêm renegando sua religião e traindo a pátria adotiva. Para eles não há outro destino senão a expulsão como indesejáveis, após honestas e indispensáveis sindicâncias.
As imunidades só protegem os homens quando dentro de seus direitos, condicionados aos cumprimentos dos deveres que a lei impõe. Os que exorbitam de suas atribuições, revertendo os bons costumes e as leis, são tão passíveis de pena temporal como os demais transgressores, na medida da justiça, da caridade, está claro. Para os brasileiros há outras medidas drásticas. Oxalá não se veja o Governo na amarga circunstância de precisar adotá-las com freqüência. Poupem a Igreja constrangimento e ao Governo do Brasil esse vexame extraordinário


Agosto de 1969


[1] Últimas Crônicas, 1970