sábado, 11 de novembro de 2023

O blog virou site.

 A partir de agora você pode ler, ver e ouvir registros autênticos do homenageado deste blog, o Honório Ribeiro Dantas.

https://sodantas2.wixsite.com/meusite

Acesse o site, visite e conheça um pouco da vida e da obra deste homem.

Reflexões sobre um T

Hoje nada tenho para escrever, mas, lembrado do conselho de Cícero: "Mesmo quando nada tenhas a escrever, escreve sempre", vou contar um episódio sem valia que, não obstante, poderá trazer um riso displicente aos lábios do leitor despreocupado.
Era um menino de seus quinze anos que tinha bonito prenome, cuja significação outra não era, senão: "honrado" ou, se preferem, "eu sou a honra".
Aconteceu que, achando-se muito distante da família, em casa de formação, no sul do país, entrou como Terceiro da Ordem Premonstratense [1], recebendo o apelativo Teófilo, "amigo de Deus".
Assim, quando escrevia à sua família, começou a intercalar entre o prenome e nome a letra T., abreviação do nome adotado. Seu pai, tomando conhecimento da inclusão daquela consoante na assinatura do filho, sem haver recebido qualquer elucidação, riu-se e, fazendo 'blague', disse à mulher: "Esse T. quer dizer tolo"!...
E o velho tinha razão. Hoje, quarenta e cinco anos depois, o seu 'menino' é muito mais tolo. Mas, ajuizando bem, é necessário que haja tolos. " Os tolos estão no mundo para nos servirmos deles", disse Napoleão Bonaparte.


[1] N. do E: Ordem de São Norberto, actualmente chamada de Ordem Premonstratense, ou dos cónegos regulares Premonstratenses (latimOrdo Præmonstratensis ou Candidus et Canonicus Ordo PræmonstratensisO. Præm), também conhecidos por Cónegos Brancos ou Cónegos de São Norberto, ou, no ramo feminino, de Monjas Premonstratenses ou Monjas de São Norberto, é uma ordem religiosa da Igreja Católica. (Wikipedia)

domingo, 18 de novembro de 2012

Coisas de Velho


Coisas de Velho[1]

E ser-se novo é ter-se o paraíso.
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
aonde tudo é luz e graça e riso.

Florbela Espanca

Por que os entrados na velhice nunca procuram abordar temas do futuro, antes, dão-se ao vezo de ventilar sempre coisas do passado e, preferentemente, do passado longínquo? Naturalmente, é que o sexagenário, mais ainda o setuagenário e o octogenário não esperam viver mais. Esperam, isto sim, esperam pela morte, já que a verdade é fatal: “quem de moço não morre, de velho não escapa”.
            E começam a viver os pródromos da eternidade... Como raramente, a consciência têm-na tranquila, fogem de pensar nos dias porvindouros. Assim, lançam suas saudades, de melhoras para seu reumatismo, sem cuidar de que estes são males incuráveis. Começam, pois, a escrever “memórias”...
Assim também o sinto, já que entrei no rol dos que estão “dentro dos 60”. Por isso mesmo, temas da minha mocidade me empolgam e inibem de dar-me às coisas que virão ou não virão nunca para mim.
Um amigo (sincero? – não sei) com dureza, observou-me:
- Por que você está sempre a ventilar coisas da religião? Não sabe discorrer sobre outro assunto?
- Cada um fala do que conhece e ama, da abundância do coração, repliquei. E minha infância se confunde, dentro da minha memória, com a religião da qual sonhei um dia ser ministro.
Ele, também, da minha mesma idade, vive a reviver episódios da sua mocidade... E nem dá por isto.
Aqui faço lembrada a palavra do Pe. Daniel Lima, citada por mim, a páginas tantas de Vela de Sebo: -“Ter sido é uma forma de ser ainda. O passado não tem sentido como tempo morto. Há em mim, vivo e presente, tudo o que fui e o vivi, tudo o que amei e odiei, desde que nasci”.
A infância e a mocidade são a nossa ilusão, a realidade, que os fugiu tão cedo, e a substância imponderável da nossa própria existência. O velho vive do passado como a criança vive do futuro, que presume ser de ouro e luz, o que nunca acontece. Tudo isto é tão natural que não merece ser observado. São as compensações da vida.
Então, o que entrou na velhice começa a falar como velho, criando memórias e vivendo lembranças com que pensa refazer a sua gasta e dilapidada existência e – o que é muito pior – compenetra-se, fatuamente, de que pode servir de modelo a seus filhos e a possíveis leitores seus. Vaidade? Orgulho ou coisa pior? Nada pior que o orgulho. (A avareza é mais desumana). É quando se torna “moralista impenitente”, malgrado sua ética seja de palavras que o vento leva mais depressa do que enxuga uma lágrima de criança.
            Um homem cuja cova já começam a cavar, embora tenha alguns anos ainda para fazer as asneiras próprias da idade senil, é  um homem que não suporta encarar o futuro. Sabe que o seu porvir é aquela cova rasa. Começa, então, a lançar olhares retrospectivos, teimosos, obstinados. Sua motivação é a mocidade que morreu.
Somente os poetas (e não todos) se dão ao luxo de pensar em coisas aziagas, merencórias e tétricas. O comum dos homens encanecidos ou depilados, esses querem voltar à álacre mocidade, num esforço infausto e improfícuo, mas, persistente. Nisto, o seu valor único. É a volúpia das coisas impossíveis...
Ah, Fausto... Ah, Fausto! Mefistófeles, no romance de Goethe, prometeu ao “homem-símbolo” dos que se tornaram impotentes, a volta, o tão suspirado regresso aos hábitos da mocidade. Ilusão!...
Os homens vividos, os gastos de todas as idades, sempre nutriram esse sonho tão irrealizável como a mais linda das quimeras. O moto-contínuo e a alquimia medieval simbolizam bem as ilusões do homem. E continuaram os que hão de vir a nutrir o sonho até que o mesmo se transmude em horrível pesadelo: a morte!
Não são, todavia, apenas os velhos entrados em decrepitude que buscam a fuga de si mesmos pelo derivativo do sonho. A juventude, também ela é afeita à ilusão. E, por isso, sonha com o futuro que lhe sabe a flor e o mel. Quer a mocidade chegar à plenitude dos anos para se tornar detentora do ouro e da glória, do mando e da felicidade. É a vida, que nisso tudo se resume: amor, pão e liberdade. Por isso sonham. Mas todos sonhamos porque sabemos todos que, sem a ilusão e as mentiras inocentes que nos pregamos a nós mesmos, não seria a vida coisa possível de viver.
Houve alguém, por ventura que, rindo e cantando buscasse a morte? Ao invés, cheios de horror, todos fogem do gélido amplexo da terrível parca. Contam, todavia, os agiólogos que os cristãos do Império Romano enfrentavam de ânimo sereno, por Amor de Cristo, leões hienas e panteras. E cantavam:
“-Podes, ó Cesar, arrancar-nos a pele do corpo, rasgar-nos as carnes, moer-nos; não conseguirás arrancar dos nossos corações a fé”.
Somente os idealistas, cheios de fé arrebatados da esperança, ensandecidos pela caridade, lograrão conformar-se com a morte. Nós outros morremos porque “quem não pode viver, morre”, explica o anexim. Aqui não há dilema. Há destinação.
Os suicidas buscam o descanso, o oblívio que não existe para quem se insurge contra a natureza. O aniquilamento a eternal inércia seria o império da injustiça. Aquele que tem direito à glória, não pode ser nivelado com quem mereceu a geena[2], pelo abuso da sua liberdade. E como abusamos dela...
A vida futura existe porque é anseio da alma, mas, não é repouso. Não é inatividade absoluta. Não há nirvana. A vida futura é atividade em plenitude, atividade sem esforço, mas atividade intensam eterna.
Não é de conceituação fácil a eternidade onde não haverá “potência”, mas somente “ato”. Êxtase sem fim. Todos em Deus!
Enquanto lá não chegarmos, sonhemos. É tão bom sonhar.


[1] Publicado em Lume de Palha e Áscuas, 1969
[2] N.do E. 1 Inferno, na religião hebraica. 2 Dor intensa; tortura.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Ainda no casório



Desiludido[1]
            Estou desiludido. Não estou escandalizado. Estou desiludido. Mais de cinqüenta anos decorreram para mim em cego e ledo engano. Pensava que monges, padres, bispos e freiras eram todas pessoas merecedoras de profunda veneração e respeito. Quando alguém queria impor-me como realidade que poucos sacerdotes eram dignos daquela veneração e respeito, eu reagia com todo o calor de um noviço...
            Vivi longos anos em ambientes com jesuítas, padres do Espírito Santo, como muitos outros. Religiosas, como Dorotéias, Irmãs do Amor Divino, de Sant’Ana, Vicentinas. Conheço, pois muitos homens e mulheres de vida espiritual. Malgrado abe-los humanos, defectíveis, acreditei piamente que os bons eram muito mais numerosos do que os merecedores de restrições graves. Eis que dia a dia mais se acentuam no meu espírito os contornos reais e objetivos da verdade algo espantosa. Hoje (perdoem-me monges, frades, bispos e outros) tenho outra convicção: que, infelizmente, não são tantos os que merecem as homenagens do povo católico. O desrespeito que muitos carismáticos dão às prescrições superiores, expostas nos artigos e parágrafos do Direito Canônico, Encíclicas, Constituições Apostólicas e Mandamentos, é de estarrecer a quem os observa. A publicação da Humanae Vitae[2] o demonstrou. Não era sem razão que Dom Marcolino Dantas, falecido arcebispo do Natal, em seu longo pastoreio, nunca escreveu uma pastoral Sabia que muitos dos seus padres não dariam nenhum valor. Iriam, isto sim, criticá-lo. Pois, há tantos fariseus ainda hoje... Talvez nem a lessem.
            Um exemplo. Bispos, padres, leigos, todos sabem que casamento de padre deve ser a portas fechadas, com restrito número de testemunhas. Nada de publicidade escandalosa, de festejos nupciais dentro ou fora da liturgia. No entanto, que se tem visto entre nós? Justamente o contrário, com pleno conhecimento do Ordinário e seu assentimento. Até com sua participação! Padres ensandecidos pelos calores genésicos, exacerbados em repetidas doutrinações sexuais, julgam-se doutores, porquanto cursaram dois anos de teologia pastoral; ei-los que se deixam levar de paixões vesânicas...  Então, abandonam altares que provavelmente macularam, macularam tantas vezes – só Deus sabe – e hoje com a maior impaciência aguardam o ditoso, o venturoso dia do consórcio, a tão decantada noite de núpcias, a gostosa lua-de-mel. E a Igreja se enche de convidados e “piedosos” assistentes que vêm “edificar-se” com o comportamento modelar do novo casal que vai receber as bênçãos rituais derramadas a fluxo sobre almas e corpos dos nubentes (ninguém pode separar corpo e alma, dizem os entendidos), principalmente, nas festas nupciais, quando nenhuma faculdade da alma, nenhuma molécula do corpo dos noivos, nem o mais pequenino nervo, nenhum dos sentidos externos (açaimados durante os longos anos da espera) pode estar ausente à ocasião propícia e justa a seu desarrollo.  Mas, mais comum, talvez, seja tratar-se de contestar situações envelhecidas...
            Como é evidente, casamento de padre não edifica ninguém, sabendo-se embora que, se a teoria em que se especializou for posta em prática, esse casamento será ideal; o sacerdote casado, um maridinho nec plus ultra[3]; a mulherzinha do padre, um modelo de virtude matrimonial, - a esposa perfeita descrita pelos médicos psicanalistas ou especialistas em sexologia. Seja, como era de esperar-se. Eu, todavia, não empresto a minha credibilidade a nada disto. Lembrei-me a opinião de Fernando Diaz-Plaja, quando escreveu: “Durante anos o homem comprime os desejos que pugnam por vir à superfície, e quando a explosão se produz, está tão fora do normal como fora do normal era sua retenção”. Por tudo isso fico esperando o quase certo desarranjo familial, como numa vaquejada os assistentes em suspense esperam a queda da rês inexperiente. Talvez muitos não cheguem, a viver juntos cinco anos. Talvez alguns cheguem ao desquite e a proporem adoção do divórcio a vinculis. Vamos para frente.
            Não estranharei quando souber do casamento de alguns – somente alguns? – bispos. E por que não? É uma questão de Roma consentir. Facilitar. Também eles têm corpo geralmente bem alimentado e precisam dar exercício às glândulas. Na antiguidade cristã. S. Paulo recomendava que “o bispo seja marido de uma só mulher”, donde se pode inferir que já tivessem alguns, além da legítima, uma “sucursal”. Então, que é que há? Não poderia eu, mísero pecador, ir de encontro aos ensinamentos paulinos que chamou “grande” o sacramento do matrimonio. Mas, em relação ao Cristo e à sua Igreja, não o faria nem em sonho. E corroborando sua asserção, S. Paulo reafirma com firmeza: “É melhor casar-se que pegar fogo”. Pois, quem quiser case. É bom! Eu casei duas vezes, e o resultado aí está: treze filhos e vinte e cinco netos. E, digo como quem diz a verdade: nunca pensei em separar-me de minha mulher por que ela é uma santa. Não. Não é santa, mas é muito paciente. Muito!  



[1] Últimas Crônicas, 1970
[2] Carta encíclica emitida pelo papa Paulo VI em 25/jul/1968 versando sobre a Regulação da Natalidade. (N. do E.)
[3] Insuperável, Aquilo que não pode ir além. (N.do E.)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

E eu me declaro marido e mulher...


 


Que mais?[1]

Revelou noticiário recente que as Igrejas de sete – número apocalíptico – sete países ocidentais da Europa dirigiram veemente memorial exigindo de Roma o cancelamento do celibato eclesiástico, como medida que fere os ensinamentos bíblicos... pois, não? Mas ninguém se admire disso, porque algumas Igrejas do Brasil acompanharam-nas no pedido, embora sem invocarem a ilegalidade da medida, há tantos séculos adotada, ou argumentando irredutibilidade de tal prática aos dispositivos escriturísticos.
Seria o celibato estado contrário à natureza do homem? Coisa verdadeira, ao menos para alguns, ou mera farsa secular? Antes do mais, diga-se que o celibato é o dom de Deus, é graça especial concedida aos que a suplicam e fogem em tempo hábil do mundo, do diabo e lutam valentemente contra suas torpes inclinações. Difícil coisa, não? Dificílima por certo e... quase inacreditável.
Hoje há indiscutivelmente, razões bastantes e fortes para a proscrição do celibato, mas deve haver (ou ter havido) razões mais ponderosas para que ele não venha abaixo, deixando de trazer o máximo desafogo para a grande maioria dos padres, que anseiam por esse dia. Não direi de quem será a vitória nessa contenda empolgante. E não digo, porque, em livro publicado há alguns anos, asseverei, sem medo de errar, que jamais o CÂNON da missa seria recitado em língua vernácula nem o seriam as fórmulas sacramentais. Pois, errei, grosseiramente, na minha predição. Agora, portanto, não me aventuro a afirmar o que já parece quase certo. Como o problema não é meu, nem me afeta particularmente, o que as Congregações Romanas e os sínodos episcopais definirem louvo e aplaudo, parafraseando o que tanto se disse outrora: “Roma falou, liquidou-se a contenda”.
A mim, (que não sou do contra, sistematicamente), me parece que quanto mais concessões se fazem à besta encastelada nos refolhos do homem, mais se fortificam os inimigos que põem cerco à colina do Vaticano, quando querem a todo preço plebeizar o clero, envilece-lo.
Pedro repetidas vezes dormiu, profundamente, enquanto o Mestre sofria as agonias de morte no Monte das Oliveiras. Paulo VI, porém, não pode dormir no timão da Parca[2].  Alguns problemas do pós-concílio assemelham-se a nós górdios[3] que a ele cabe cortar de vez, se desmancha-los não lhe for possível. Tarefa delicada e dificílima porque quem os vem dando é o inimigo avernal[4], que é muito mais esperto, mais matreiro e mais inteligente do que qualquer dos homens. Entretanto, não devemos ficar apavorados com isto porque Miguel ainda preside às milícias angélicas e o seu brado ainda é o mesmo dos princípios da criação; -“Quem como Deus?”. A luta vem sendo árdua, tremenda, apocalíptica para o aggiornamento[5] da Igreja, mas a vitória final será d’Aquele Que É. Há poucos dias, acordei de uma sesta com o rádio dando notícias do momento. Concentrei as potências de minha alma e sintonizei os ouvidos, quando o repórter disse da existência de um papa de nome Clemente XV, na cidade de Avignon, se não estou errado. Pilhéria de mau gosto? Certamente. Deve ser esta notícia alguma licença jornalística, mero sensacionalismo. Por isto não quero acreditar. Mais plausível me parece que seja sandice de algum carismático atacado de esquizofrenia, paranóia ou debilidade mental. Ou estamos diante de novo cisma? Milhares de boletins naquele sentido foram espalhados em Roma e em terras de França, segundo se diz. De nacionalidade francesa, Clemente XV seria o papa verdadeiro, enquanto Paulo VI, anti-papa, um usurpador!... Isso seria o máximo das humilhações afligidas à Igreja de Deus pelos seus inimigos indormidos, liderados talvez por alguns religiosos delirantemente “ultra-avançados”, bomba mais arrasadora do que qualquer das que os mortais já inventaram. E que dizer da charmosa, piedosa, instruída religiosa holandesa que se candidatou há pouco às honras sacerdotais? Ela não disse na entrevista, mas dentro do seu coração talvez esteja sonhando com o episcopado e... talvez mais... Quod Deus avertat![6]






[1] Últimas Crônicas, 1970
[2] Deusa grega que controlava o destino; A morte. (N.do E.)
[3] Lendário nó de difícil desenlace atado por Górdio, rei da Frígia. (N.do E.)
[4] Relativo ao Inferno.( N. do E.)
[5] Atualização (N.do E.)
[6] Que Deus nos livre (N. do E.) 

domingo, 19 de agosto de 2012

Impertinências


Impertinências...[1]
            Impertinências minhas...
            O homem sofre com a chegada da velhice as mais decepcionantes revelações. Não raramente o liberal se torna avarento; o aparentemente morigerado e de costumes puros, relaxa-se a ponto de não controlar palavras nem ações. Até insultos da inveja ele tem de suportar. Assalta-o uma inveja descomedida dos moços. Daí as incompreensões e censuras. Rejuvenescer para ele é constante obsessão. De hipócrita torna-se cínico, pois para ele tudo é natural...
            Quando moço, eu via tudo cor de rosa: todas as mocinhas muito puras; todos os rapazes muito bem intencionados. Todos os padres, homens de bem, honestos, interessados somente nas coisas da Igreja, zelosos pelas coisas de Deus. As freirinhas para mim eram todas umas santas. Incapazes de um gesto agressivo, de uma ação feia, dignas de todo respeito e consideração. Mesmo as das santas-casas-de-misericórdia. As mães de família sempre me pareciam honestas e respeitadoras do nome do marido. Os maridos, na minha ingenuidade, eram sempre perfeitos cavalheiros, incapazes de atos desabonadores, canalhas. Todos os portadores de títulos de profissão liberal, como médicos, advogados, guarda-livros, todos cumpriam integralmente o juramento da colação de graus.   Até os comerciantes para mim eram honestíssimos. Todos os homens eram meus irmãos.
            Anos vindo e dilapidando meu frontal, branqueando bigodes e barba. Eu mesmo sofrendo os desgastos da idade, não somente no físico como no intelectual e moral,  ao ponto de reconhecer hoje, perfeitamente, que vida longa não traz nenhuma vantagem ao homem, senão em casos raríssimos.
            A quantos sacerdotes ou professores, julguei incapazes de certos gestos, modos de ver que a mim repugnavam como menos corretos, perfeitos, e hoje, principalmente, com as “inovações” do pós-concílio, terríveis revelações a todos decepcionam.
            Declarações à imprensa de bispos e padres me têm feito estarrecer. Clérigos que, assim, se me revelam despidos de qualquer espírito eclesiástico, homens mais profano que qualquer membro do laicato.
            Eu conheci, faz alguns anos, um sacerdote que me parecia muito menos padre que sua irmã... E como este (que é com Deus), muitos padres têm havido neste planeta. Depois, então, que deixaram de lado a batina para vestir modestos slacks[2] que proscreveram a tonsura eclesiástica e, assim, podem freqüentar todos os meios ambientes) ainda recitam o breviário abreviado? Chego até a duvidar! e baniram atitudes que tão bem os caracterizavam, as coisas se tornaram insuportáveis, pois até o canto litúrgico recém adotado irrita pela sua descaracterização do sagrado.
            Chego agora ao que nunca supus chegasse: a desejar que a Santa Sé acabe de vez com a medida disciplina do celibato, porque essa coisa “celibato” tornou-se inanis et vácua, [3] na mais lídima expressão bíblica, para muitos “celibatários”.
            Contavam, há oitenta anos, que um vigário velho da terra de meus avós subiu certo dia ao púlpito de sua matriz com voz repassada de amargura, assim falou: “- Meus irmãos: Foram dizer ao sr. Bispo de Olinda que vivo amasiado e que tenho sete filhos. Mas isto, além de grosseira inverdade, é uma infâmia. Eu tenho é dezoito filhos”....  
            Anedota irreverente ou fato verídico, o homem é sempre o mesmo. Anseia pela perpetuação do seu ego através da descendência, como é levado a da às suas glândulas endócrinas, o destino que elas têm. Hoje, quando me aproximo de um sacerdote (embatinado ou desbatinado), sem querer, me confranjo em  beijar-lhe a mão ungida nos santos óleos, no dia memorável de sua ordenação, pois, uma dúvida terrível me atravessa o cérebro, como aziago relâmpago: Será este um sacerdote segundo o coração de Deus ou, desgraçadamente, um homem dominado pela ambição do dinheiro e escravo do sexo como o comum dos mortais? Sim, porque a avareza e o relaxamento dos costumes são suas grandes tentações. E o enfraquecimento da fé.
            A velhice torna o homem cético. E isto é um grande mal. Envelheci. Hoje – repito – chego a desejar que se permita aos padres e bispos católicos casarem-se, se assim desejarem. Com tal permissão havíamos de ver quantos padres e quantos bispos, por esses brasis e alhures, abraçariam o estado matrimonial. Chegariam à legião? Talvez chegassem à legião, embora a sabedoria popular diga que “casar é bom, não casar é melhor”. Que “mulher é charada eterna que ninguém decifrará. Nada há melhor que ela, mas, pior também não há.” (Quadrinha popular)  
Ninguém é obrigado a escolher melhor... Eu mesmo já me casei duas vezes e, se muito tenho sofrido, muito mais tenho feito sofrer.
Casem, minhas gentes, casem e verão. Talvez um dia “passe” o divórcio para os arrependidos. Isso de ser o divórcio contra a doutrina cristã, tanta outra coisa é contra a doutrina cristã...
Eu continuo anti-divorcista. Para mim ele seria dose cavalar, mesinha que levaria cedo ao túmulo. Se minha vida é ruim com ela, muito pior seria sem ela...
Continuo a favor da manutenção do celibato eclesiástico pelas altíssimas razões que o implantaram e ainda – observe-se – na foram removidas.
Para onde vamos? Não sei, ninguém sabe, quando num país, que se diz cristão, a homossexualidade tem a tutela da lei...Que será de nós? Com o que vem ocorrendo nos nossos arraiais, nhá muita gente abismada, mas certamente, ninguém mais abismado que Paulo VI. Muito mais do que se passa no Vietnam, deve afligi-lo o que se passa na Barca de Pedro. (Só se eu estiver redondamente enganado).
É chegada a hora de retirar a máscara do rosto de muitos que a usavam para “ganhar a vida”.
Ah! Velhice desabrida e cruel... Por que tanto me fazes sofrer?  


[1] Últimas Crônicas, 1970
[2] Calças largas, folgadas. (N do E)
[3] Vazio e sem forma. (N do E)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Frades estrangeiros


Frades Estrangeiros[1]


No livro de Gilberto Freyre “A propósito de Frades” à pág. 32, lemos:
“-Não que os frades, em geral, e os franciscanos, em particular, que passam pela história brasileira nem sempre sem outro ruído que o das suas sandálias de bons religiosos ou o da sua voz de pregadores sacros, tenham sido todos uns santo-antônios-onde-vos-porei. De modo algum. Sabemos que sob nomes seráficos de homens aparentemente só de Deus, chamados da paz, dos Anjos, do Salvador, de Jesus, da Purificação, do Sacramento, de Santa Rosa, da própria Santíssima Trindade, agitaram-se políticos mias zelosos das liberdades do século que das verdades eternas; mais apegados a causas do momento que às de sempre; e que sob nome de servos de Maria, Santíssima, vibraram corações apaixonados, alguns deles por marias apenas de carne e virgens somente da terra. Foram esses frades mais do mundo que do claustro; ou mais dos reis que do Rei dos reis.”
Reivindicando para padres religiosos a boa fama a que fazem jus, nosso saudoso Dr. Carlos de Laet, a 22 de maio de 1903, no Círculo Católico do Rio de Janeiro, pronunciou bela conferência, que teve por tema “O frade estrangeiro”. Como soube ele defender esse amigo do Brasil, olhado de soslaio pelos republicanos positivistas dos primeiros dias do século vinte! Li mais de uma vez a conferência de Laet e não regateei aplausos. Ainda penso como ele. Não obstante, estou convencido de que hoje Laet escreveria semelhantes louvores, indistintamente, aos frades estrangeiros.
Franciscanos, jesuítas, beneditinos, capuchinhos e também os dominicanos, prestaram relevantíssimos serviços à Igreja e ao Brasil. Mas, hoje se vê tanta coisa pelo avesso, que muito a contragosto, chego a lembrar-me da época em que expulsamos franceses e holandeses de nossas terras com a intrusos nocivos, inimigos do Brasil colônia. Terão voltado àqueles dias de provação para que devamos, pelas armas pacíficas da diplomacia, defender-nos das investidas, já não de protestantes franceses e batavos, mas, para livrar-nos da ação nefasta de alguns que, tendo recebido os carismas do Espírito Santo, insurgem-se contra a nação que tão fidedignamente os acolheu para cumprimento de sua missão específica, - a de implantar o reino de Cristo nas almas – e se põem a filosofar credos políticos exóticos, insuflando-os aos moços de entusiasmo fácil, mas de inexperiência manifesta?
Não digo que esses religiosos não procurem disseminar a doutrina da sociologia cristã, baseados nos ensinamentos das encíclicas papais, interpretadas sabiamente, de Leão XIII, Pio XI, João XXIII ou Paulo VI. Antes, é bom e justo fazê-lo com afinco para implantação crescente dos ideais cristãos que, em resumo, consistem em que haja, dia a dia, pobres menos pobres e ricos menos ricos. Mas, não é compreensível que exorbitem de sua missão sacerdotal para imiscuírem-se, sistematicamente, em movimentos subterrâneos de caráter nitidamente político, como vem acontecendo ultimamente, segundo se lê nas folhas diárias, e se ouve nos noticiários radiofônicos.
Pobres conventos, desgraçados mosteiros, nefandos colégios onde não se encontre mais a disciplina religiosa, nem fé, nem caridade autenticas. Aí se encontra amiúde dolorosa carência do espírito monástico, que é o de obediência, crescente gosto de mundanismo. Parece até que o demônio – em que alguns já não acreditam – tomou conta deles para servir-se de pessoas a Deus consagradas, fazendo-as disseminadores ou mentores de doutrina não ortodoxa, e de sistemas excêntricos, que ao povo brasileiro repugnam abismo pectore. Antes, retornassem precipites à pátria, em paz e livres de vexames, para que os poderes constituídos (a quem todos devem respeito), não se vejam obrigados a adotar medidas violentas.
Aos “ultra-avançados” daqui e de todo o resto do Brasil – holandeses, franceses, alemães, americanos – aqui fica um pedido: deixem-nos em paz, pois, antes sós do que mal acompanhados. Nas suas terras de origem, também há muito o que fazer. Ah! Os apóstolos dos países altamente civilizados!... Vão recristianizar seus povos, que estão dominados por doutrinas heréticas, escravizados por estranhíssima moral. Nós brasileiros somos cristãos. Assistem-nos nada menos de duzentos e cinqüenta bispos e cinco cardeais que, se incendiados pelo fogo da caridade divina, bastariam para operar o milagre da cristianização ou recristianização de todos os brasileiros, auxiliados como sempre pelos sacerdotes indígenas, também pelos estrangeiros fiéis à ortodoxia, respeitadores da lei do país. E quantos leigos capazes, e de boa vontade, há por aí, aguardando que a hierarquia os chame para missões que lhes ficariam muito bem? Será que os bispos brasileiros não têm confiança nos seus leigos?... Sem chamá-los, como irão pregar e batizar? “Não mandava profetas... e eles corriam” dizia o Espírito Santo, pela boca de Isaías. Onde estão as dezenas de diáconos “restaurados”? Temos um catecismo que não é brasileiro, nem privativo de nenhum país, porque, simplesmente, um catecismo da doutrina cristã e católica, isto é, universal.
Estamos, assim, bem servidos. Temos a Providência que, dia e noite, vela por nós. Temos Mãe no céu, e Senhora Mãe e Advogada, Rainha e Protetora. Por que tanto temor? O próprio Núncio Apostólico, se se tornasse para nós persona non grata a nação, o povo brasileiro, o Governo civil e a hierarquia eclesiástica têm a competência para apontar-lhe o caminho de regresso à sua pátria, depois das necessárias démarches junto ao Vaticano. Sim, porque padres indisciplinados, suspeitos e ordinários já não são raros entre nós. Dispensamos estrangeiros que forem desse jaez, os que, simultaneamente, vêm renegando sua religião e traindo a pátria adotiva. Para eles não há outro destino senão a expulsão como indesejáveis, após honestas e indispensáveis sindicâncias.
As imunidades só protegem os homens quando dentro de seus direitos, condicionados aos cumprimentos dos deveres que a lei impõe. Os que exorbitam de suas atribuições, revertendo os bons costumes e as leis, são tão passíveis de pena temporal como os demais transgressores, na medida da justiça, da caridade, está claro. Para os brasileiros há outras medidas drásticas. Oxalá não se veja o Governo na amarga circunstância de precisar adotá-las com freqüência. Poupem a Igreja constrangimento e ao Governo do Brasil esse vexame extraordinário


Agosto de 1969


[1] Últimas Crônicas, 1970