sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Ainda no casório



Desiludido[1]
            Estou desiludido. Não estou escandalizado. Estou desiludido. Mais de cinqüenta anos decorreram para mim em cego e ledo engano. Pensava que monges, padres, bispos e freiras eram todas pessoas merecedoras de profunda veneração e respeito. Quando alguém queria impor-me como realidade que poucos sacerdotes eram dignos daquela veneração e respeito, eu reagia com todo o calor de um noviço...
            Vivi longos anos em ambientes com jesuítas, padres do Espírito Santo, como muitos outros. Religiosas, como Dorotéias, Irmãs do Amor Divino, de Sant’Ana, Vicentinas. Conheço, pois muitos homens e mulheres de vida espiritual. Malgrado abe-los humanos, defectíveis, acreditei piamente que os bons eram muito mais numerosos do que os merecedores de restrições graves. Eis que dia a dia mais se acentuam no meu espírito os contornos reais e objetivos da verdade algo espantosa. Hoje (perdoem-me monges, frades, bispos e outros) tenho outra convicção: que, infelizmente, não são tantos os que merecem as homenagens do povo católico. O desrespeito que muitos carismáticos dão às prescrições superiores, expostas nos artigos e parágrafos do Direito Canônico, Encíclicas, Constituições Apostólicas e Mandamentos, é de estarrecer a quem os observa. A publicação da Humanae Vitae[2] o demonstrou. Não era sem razão que Dom Marcolino Dantas, falecido arcebispo do Natal, em seu longo pastoreio, nunca escreveu uma pastoral Sabia que muitos dos seus padres não dariam nenhum valor. Iriam, isto sim, criticá-lo. Pois, há tantos fariseus ainda hoje... Talvez nem a lessem.
            Um exemplo. Bispos, padres, leigos, todos sabem que casamento de padre deve ser a portas fechadas, com restrito número de testemunhas. Nada de publicidade escandalosa, de festejos nupciais dentro ou fora da liturgia. No entanto, que se tem visto entre nós? Justamente o contrário, com pleno conhecimento do Ordinário e seu assentimento. Até com sua participação! Padres ensandecidos pelos calores genésicos, exacerbados em repetidas doutrinações sexuais, julgam-se doutores, porquanto cursaram dois anos de teologia pastoral; ei-los que se deixam levar de paixões vesânicas...  Então, abandonam altares que provavelmente macularam, macularam tantas vezes – só Deus sabe – e hoje com a maior impaciência aguardam o ditoso, o venturoso dia do consórcio, a tão decantada noite de núpcias, a gostosa lua-de-mel. E a Igreja se enche de convidados e “piedosos” assistentes que vêm “edificar-se” com o comportamento modelar do novo casal que vai receber as bênçãos rituais derramadas a fluxo sobre almas e corpos dos nubentes (ninguém pode separar corpo e alma, dizem os entendidos), principalmente, nas festas nupciais, quando nenhuma faculdade da alma, nenhuma molécula do corpo dos noivos, nem o mais pequenino nervo, nenhum dos sentidos externos (açaimados durante os longos anos da espera) pode estar ausente à ocasião propícia e justa a seu desarrollo.  Mas, mais comum, talvez, seja tratar-se de contestar situações envelhecidas...
            Como é evidente, casamento de padre não edifica ninguém, sabendo-se embora que, se a teoria em que se especializou for posta em prática, esse casamento será ideal; o sacerdote casado, um maridinho nec plus ultra[3]; a mulherzinha do padre, um modelo de virtude matrimonial, - a esposa perfeita descrita pelos médicos psicanalistas ou especialistas em sexologia. Seja, como era de esperar-se. Eu, todavia, não empresto a minha credibilidade a nada disto. Lembrei-me a opinião de Fernando Diaz-Plaja, quando escreveu: “Durante anos o homem comprime os desejos que pugnam por vir à superfície, e quando a explosão se produz, está tão fora do normal como fora do normal era sua retenção”. Por tudo isso fico esperando o quase certo desarranjo familial, como numa vaquejada os assistentes em suspense esperam a queda da rês inexperiente. Talvez muitos não cheguem, a viver juntos cinco anos. Talvez alguns cheguem ao desquite e a proporem adoção do divórcio a vinculis. Vamos para frente.
            Não estranharei quando souber do casamento de alguns – somente alguns? – bispos. E por que não? É uma questão de Roma consentir. Facilitar. Também eles têm corpo geralmente bem alimentado e precisam dar exercício às glândulas. Na antiguidade cristã. S. Paulo recomendava que “o bispo seja marido de uma só mulher”, donde se pode inferir que já tivessem alguns, além da legítima, uma “sucursal”. Então, que é que há? Não poderia eu, mísero pecador, ir de encontro aos ensinamentos paulinos que chamou “grande” o sacramento do matrimonio. Mas, em relação ao Cristo e à sua Igreja, não o faria nem em sonho. E corroborando sua asserção, S. Paulo reafirma com firmeza: “É melhor casar-se que pegar fogo”. Pois, quem quiser case. É bom! Eu casei duas vezes, e o resultado aí está: treze filhos e vinte e cinco netos. E, digo como quem diz a verdade: nunca pensei em separar-me de minha mulher por que ela é uma santa. Não. Não é santa, mas é muito paciente. Muito!  



[1] Últimas Crônicas, 1970
[2] Carta encíclica emitida pelo papa Paulo VI em 25/jul/1968 versando sobre a Regulação da Natalidade. (N. do E.)
[3] Insuperável, Aquilo que não pode ir além. (N.do E.)

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