Desiludido[1]
Estou
desiludido. Não estou escandalizado. Estou desiludido. Mais de cinqüenta anos
decorreram para mim em cego e ledo engano. Pensava que monges, padres, bispos e
freiras eram todas pessoas merecedoras de profunda veneração e respeito. Quando
alguém queria impor-me como realidade que poucos sacerdotes eram dignos daquela
veneração e respeito, eu reagia com todo o calor de um noviço...
Vivi
longos anos em ambientes com jesuítas, padres do Espírito Santo, como muitos
outros. Religiosas, como Dorotéias, Irmãs do Amor Divino, de Sant’Ana,
Vicentinas. Conheço, pois muitos homens e mulheres de vida espiritual. Malgrado
abe-los humanos, defectíveis, acreditei piamente que os bons eram muito mais
numerosos do que os merecedores de restrições graves. Eis que dia a dia mais se
acentuam no meu espírito os contornos reais e objetivos da verdade algo
espantosa. Hoje (perdoem-me monges, frades, bispos e outros) tenho outra
convicção: que, infelizmente, não são tantos os que merecem as homenagens do
povo católico. O desrespeito que muitos carismáticos dão às prescrições
superiores, expostas nos artigos e parágrafos do Direito Canônico, Encíclicas,
Constituições Apostólicas e Mandamentos, é de estarrecer a quem os observa. A
publicação da Humanae Vitae[2]
o demonstrou. Não era sem razão que Dom Marcolino Dantas, falecido arcebispo do
Natal, em seu longo pastoreio, nunca escreveu uma pastoral Sabia que muitos dos
seus padres não dariam nenhum valor. Iriam, isto sim, criticá-lo. Pois, há
tantos fariseus ainda hoje... Talvez nem a lessem.
Um
exemplo. Bispos, padres, leigos, todos sabem que casamento de padre deve ser a
portas fechadas, com restrito número de testemunhas. Nada de publicidade
escandalosa, de festejos nupciais dentro ou fora da liturgia. No entanto, que
se tem visto entre nós? Justamente o contrário, com pleno conhecimento do
Ordinário e seu assentimento. Até com sua participação! Padres ensandecidos
pelos calores genésicos, exacerbados em repetidas doutrinações sexuais,
julgam-se doutores, porquanto cursaram dois anos de teologia pastoral; ei-los
que se deixam levar de paixões vesânicas...
Então, abandonam altares que provavelmente macularam, macularam tantas
vezes – só Deus sabe – e hoje com a maior impaciência aguardam o ditoso, o
venturoso dia do consórcio, a tão decantada noite de núpcias, a gostosa
lua-de-mel. E a Igreja se enche de convidados e “piedosos” assistentes que vêm
“edificar-se” com o comportamento modelar do novo casal que vai receber as
bênçãos rituais derramadas a fluxo sobre almas e corpos dos nubentes (ninguém
pode separar corpo e alma, dizem os entendidos), principalmente, nas festas
nupciais, quando nenhuma faculdade da alma, nenhuma molécula do corpo dos
noivos, nem o mais pequenino nervo, nenhum dos sentidos externos (açaimados
durante os longos anos da espera) pode estar ausente à ocasião propícia e justa
a seu desarrollo. Mas, mais
comum, talvez, seja tratar-se de contestar situações envelhecidas...
Como é evidente, casamento de padre não edifica ninguém, sabendo-se embora que, se
a teoria em que se especializou for posta em prática, esse casamento será
ideal; o sacerdote casado, um maridinho nec plus ultra[3];
a mulherzinha do padre, um modelo de virtude matrimonial, - a esposa
perfeita descrita pelos médicos psicanalistas ou especialistas em sexologia. Seja ,
como era de esperar-se. Eu, todavia, não empresto a minha credibilidade a nada
disto. Lembrei-me a opinião de Fernando Diaz-Plaja, quando escreveu: “Durante
anos o homem comprime os desejos que pugnam por vir à superfície, e quando a
explosão se produz, está tão fora do normal como fora do normal era sua retenção”.
Por tudo isso fico esperando o quase certo desarranjo familial, como numa
vaquejada os assistentes em suspense esperam a queda da rês inexperiente.
Talvez muitos não cheguem, a viver juntos cinco anos. Talvez alguns cheguem ao
desquite e a proporem adoção do divórcio a vinculis. Vamos para frente.
Não
estranharei quando souber do casamento de alguns – somente alguns? – bispos. E
por que não? É uma questão de Roma consentir. Facilitar. Também eles têm corpo
geralmente bem alimentado e precisam dar exercício às glândulas. Na antiguidade
cristã. S. Paulo recomendava que “o bispo seja marido de uma só mulher”, donde
se pode inferir que já tivessem alguns, além da legítima, uma “sucursal”.
Então, que é que há? Não poderia eu, mísero pecador, ir de encontro aos
ensinamentos paulinos que chamou “grande” o sacramento do matrimonio. Mas, em
relação ao Cristo e à sua Igreja, não o faria nem em sonho. E corroborando sua
asserção, S. Paulo reafirma com firmeza: “É melhor casar-se que pegar fogo”.
Pois, quem quiser case. É bom! Eu casei duas vezes, e o resultado aí está:
treze filhos e vinte e cinco netos. E, digo como quem diz a verdade: nunca
pensei em separar-me de minha mulher por que ela é uma santa. Não. Não é santa,
mas é muito paciente. Muito!
[2] Carta encíclica emitida pelo
papa Paulo VI em 25/jul/1968 versando sobre a Regulação da Natalidade. (N. do
E.)
[3] Insuperável, Aquilo que não
pode ir além. (N.do E.)
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