De camarote[1]
Já está nos causando mal-estar, se
não fosse asco, a simples leitura das folhas diárias e revistas, onde, repiso,
se estereotipam tantas desavenças, tantas incompreensões e até arengas
ridículas sobre assuntos graves. Ódios que não são mais surdos nem mudos. E
isto na política, entre aficionados e profissionais; e isto no seio da
religião, entre ilustres dignitários e prelados que, sentindo-se donos da
verdade, não se cansaram ainda de dar este mau exemplo aos seus diocesanos, e a
todos enfim. Já não aludo a algumas comunidades religiosas que se tornaram em
antros de insubordinação e, em escândalo, alguns colégios e cenóbios. Misérias,
ciumadas, e pecados feios et reliqua, sempre houve no mundo, mas, ao
menos havia os muros altos dos mosteiros, quase sempre engastados em lugares de
acesso difícil, afastados dos burgos, alem do que, a máscara do silêncio ou um
disfarce qualquer amenizava para o grande público as vexatórias situações
ocasionais, Os religiosos, sob o pretexto de apostolado, são os mais andejos e
extrovertidos, enquanto dos rostos as máscaras vão caindo com a freqüência das
batidas do coração humano, e muitos se entregam a ações que ferem o decoro
social, escandalizando gregos e troianos. A linguagem por alguns usada já não é
de doutrinação e de catequese. É simplesmente desafio e ameaça. E todos vivemos
assim assustados, aguardando a todo momento o “estouro da boiada”...
Para certos profetas hodiernos, toda riqueza é injusta. Todo pobre, sem distinção,
é Cristo vivo; todo desajustado e marginalizado, um santo em potencial. Toda
autoridade, opressora e abusiva. Revivências da idade patrística, quando Cristo
ainda não ingressara nas diversas camadas sociais, mas hoje ninguém ignora
Cristo.
Quem está gozando essa lamentável balbúrdia são os nossos “queridos
irmãos separados” ou como quer que os chame o CELAM[2].
De camarote, eles assistem as águas de um novo mar vermelho se abrindo,
dividindo-se para tragar uma das facções em que se dividem os católicos
romanos. Eles vêem os campos da IGREJA MÃE comburidos pelo sol das dissensões e
de estapafúrdias inovações, enquanto chuvas generosas regam, incrementando suas
atividades apostólicas, como se fora ”tanto pior, melhor”. Por tudo isto e pela
falta de disciplina e de fé de muitos – fiéis e alguns pastores – é que um
senhor ianque há poucos dias, no Recife, teve a petulância de vaticinar que em
breve seria o Brasil o maior baluarte protestante da terra, paraíso das
quinhentas seitas que congregam os muitos milhões de nossos “irmãos separados”
hoje “ecumenicamente” unidos a nós, por vínculos de amor e de paz. Aliás, ele,
o bom pastor pentecostal, se insurgia na entrevista contra o ecumenismo romano,
tal como a todos é proposto. O certo é que enquanto, abrindo os braços,
fazemos-lhes concessões e mais concessões, mais perdemos terreno e nos
protestantizamos. Daí as conclusões
pressurosas do pastor, Protestantes de todos os matizes, mações de todos os
graus, espíritas de todos os planos; hora é de congraçamento, de ecumenismo. É
momento do abraço fraternal.
Não que eu não deseje ver aproximar-se o dia venturoso da união de todos
os cristãos debaixo do cajado de um só Pastor – o Bom Pastor! Nem que em dia
algum haja me olvidado das palavras do cântico de Páscoa: Onde a caridade e o amor, aí Cristo! Não menos do versículo que se segue: “Ne nos mente dividamus, caveamus[3]”.
Não. Nada disto.
Vemos com a clareza meridiana dos fatos, que nesta altura dos
acontecimentos, as divisões são tantas, tão graves e tão profundas, entre
católicos e católicos que até o conteúdo daquela mensagem perde o sentido das
coisas reais. Saíram do estreito ambiente da “mente” pás as folhas dos diários
do mundo, e católicos. Será que ninguém viu o trecho da epístola paulina, onde
se lê: “não quero contender em palavras porque para nada isto serve, senão para
aborrecer os que ouvem?” É este aborrecimento, este insofreável enjôo, este
asco que muitos estão a sentir, vendo padres se digladiando pela imprensa com
outros padres, bispos e arcebispos contra opiniões, pareceres e ação pastoral
de outros arcebispos e bispos, já não no campo fechado da teologia dogmática,
pastoral ou do direito canônico, mas no da sociologia e economia política,
matérias em que todos andamos às apalpeladas, ainda hoje...
Quantos, dizendo buscar o bem alheio, procuram o seu próprio? Há tanta
vaidade em tudo... Fale
o Eclesiastes: “Tudo é vaidade”. Fale
o sábio: “Todo homem é mendaz”
Então? Trabalhar em silêncio por mais uma justa distribuição das riquezas
é muito mais consentâneo com o bom senso! A salvação do mundo está no Trabalho,
Estudo e Oração. Quem mais se exterioriza menos fica senhor de si. Para que
tantas declarações à imprensa? Para que tantas viagens dentro e fora (já não
digo das circunscrições diocesanas), do país, senão dos quatro cantos do mundo?
Não bastavam as viagens ao redor do quarto de dormir? Adverte o autor da Imitação de Cristo[4]
que de suas andanças “sempre volto menos
homem”. E lá o anexim: - “Quem anda
muito pouco se santifica”.
Sem faltar com o devido respeito a tão veneráveis autoridades
eclesiásticas, regularmente constituídas, nos perguntamos: Onde está o Sr.
Núncio Apostólico que não faz encerrar estas intermináveis questões? Falta-lhe
conhecimento das tristes ocorrências? Falta-lhe autoridade moral para dizer
como José do Egito: “Ne irascamini in
via?”[5] Não
arenguem...
Paternalmente, os pais impõem silêncio aos filhos que gostam de
altercações e de briguinhas ridículas. Ou será “que é “cousa superada” a
verdade do aforismo: “ – Roma falou, acabou-se a questão?”
Eis o que toda a população brasileira aguarda com ansiedade: o fim dessas
contendas. A volta da disciplina que há muito vem desaparecendo do mundo
cristão para gáudio dos inimigos da Igreja em crise, e vexame dos que a amam
agora mais do que nunca.
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