domingo, 1 de julho de 2012

De camarote


De camarote[1]

             Fato inconteste é esse; os brasileiros estão divididos. E quanto maus isto é certo, tanto mais digno de lástima. A imprensa escrita, falada, radiofonizada, mesmo televisionada, revela profundas dissensões existentes e, é de se supor, também ódio.
            Já está nos causando mal-estar, se não fosse asco, a simples leitura das folhas diárias e revistas, onde, repiso, se estereotipam tantas desavenças, tantas incompreensões e até arengas ridículas sobre assuntos graves. Ódios que não são mais surdos nem mudos. E isto na política, entre aficionados e profissionais; e isto no seio da religião, entre ilustres dignitários e prelados que, sentindo-se donos da verdade, não se cansaram ainda de dar este mau exemplo aos seus diocesanos, e a todos enfim. Já não aludo a algumas comunidades religiosas que se tornaram em antros de insubordinação e, em escândalo, alguns colégios e cenóbios. Misérias, ciumadas, e pecados feios et reliqua, sempre houve no mundo, mas, ao menos havia os muros altos dos mosteiros, quase sempre engastados em lugares de acesso difícil, afastados dos burgos, alem do que, a máscara do silêncio ou um disfarce qualquer amenizava para o grande público as vexatórias situações ocasionais, Os religiosos, sob o pretexto de apostolado, são os mais andejos e extrovertidos, enquanto dos rostos as máscaras vão caindo com a freqüência das batidas do coração humano, e muitos se entregam a ações que ferem o decoro social, escandalizando gregos e troianos. A linguagem por alguns usada já não é de doutrinação e de catequese. É simplesmente desafio e ameaça. E todos vivemos assim assustados, aguardando a todo momento o “estouro da boiada”...        
Para certos profetas hodiernos, toda riqueza é injusta. Todo pobre, sem distinção, é Cristo vivo; todo desajustado e marginalizado, um santo em potencial. Toda autoridade, opressora e abusiva. Revivências da idade patrística, quando Cristo ainda não ingressara nas diversas camadas sociais, mas hoje ninguém ignora Cristo. 
Quem está gozando essa lamentável balbúrdia são os nossos “queridos irmãos separados” ou como quer que os chame o CELAM[2].
De camarote, eles assistem as águas de um novo mar vermelho se abrindo, dividindo-se para tragar uma das facções em que se dividem os católicos romanos. Eles vêem os campos da IGREJA MÃE comburidos pelo sol das dissensões e de estapafúrdias inovações, enquanto chuvas generosas regam, incrementando suas atividades apostólicas, como se fora ”tanto pior, melhor”. Por tudo isto e pela falta de disciplina e de fé de muitos – fiéis e alguns pastores – é que um senhor ianque há poucos dias, no Recife, teve a petulância de vaticinar que em breve seria o Brasil o maior baluarte protestante da terra, paraíso das quinhentas seitas que congregam os muitos milhões de nossos “irmãos separados” hoje “ecumenicamente” unidos a nós, por vínculos de amor e de paz. Aliás, ele, o bom pastor pentecostal, se insurgia na entrevista contra o ecumenismo romano, tal como a todos é proposto. O certo é que enquanto, abrindo os braços, fazemos-lhes concessões e mais concessões, mais perdemos terreno e nos protestantizamos.  Daí as conclusões pressurosas do pastor, Protestantes de todos os matizes, mações de todos os graus, espíritas de todos os planos; hora é de congraçamento, de ecumenismo. É momento do abraço fraternal.
Não que eu não deseje ver aproximar-se o dia venturoso da união de todos os cristãos debaixo do cajado de um só Pastor – o Bom Pastor! Nem que em dia algum haja me olvidado das palavras do cântico de Páscoa: Onde a caridade e o amor, aí Cristo!  Não menos do versículo que se segue: “Ne nos mente dividamus, caveamus[3]. Não. Nada disto.
Vemos com a clareza meridiana dos fatos, que nesta altura dos acontecimentos, as divisões são tantas, tão graves e tão profundas, entre católicos e católicos que até o conteúdo daquela mensagem perde o sentido das coisas reais. Saíram do estreito ambiente da “mente” pás as folhas dos diários do mundo, e católicos. Será que ninguém viu o trecho da epístola paulina, onde se lê: “não quero contender em palavras porque para nada isto serve, senão para aborrecer os que ouvem?” É este aborrecimento, este insofreável enjôo, este asco que muitos estão a sentir, vendo padres se digladiando pela imprensa com outros padres, bispos e arcebispos contra opiniões, pareceres e ação pastoral de outros arcebispos e bispos, já não no campo fechado da teologia dogmática, pastoral ou do direito canônico, mas no da sociologia e economia política, matérias em que todos andamos às apalpeladas, ainda hoje...
Quantos, dizendo buscar o bem alheio, procuram o seu próprio? Há tanta vaidade em tudo... Fale o Eclesiastes: “Tudo é vaidade”. Fale o sábio: “Todo homem é mendaz”
Então? Trabalhar em silêncio por mais uma justa distribuição das riquezas é muito mais consentâneo com o bom senso! A salvação do mundo está no Trabalho, Estudo e Oração. Quem mais se exterioriza menos fica senhor de si. Para que tantas declarações à imprensa? Para que tantas viagens dentro e fora (já não digo das circunscrições diocesanas), do país, senão dos quatro cantos do mundo? Não bastavam as viagens ao redor do quarto de dormir? Adverte o autor da Imitação de Cristo[4] que de suas andanças “sempre volto menos homem”. E lá o anexim: - “Quem anda muito pouco se santifica”.
Sem faltar com o devido respeito a tão veneráveis autoridades eclesiásticas, regularmente constituídas, nos perguntamos: Onde está o Sr. Núncio Apostólico que não faz encerrar estas intermináveis questões? Falta-lhe conhecimento das tristes ocorrências? Falta-lhe autoridade moral para dizer como José do Egito: “Ne irascamini in via?”[5] Não arenguem...
Paternalmente, os pais impõem silêncio aos filhos que gostam de altercações e de briguinhas ridículas. Ou será “que é “cousa superada” a verdade do aforismo: “ – Roma falou, acabou-se a questão?”
Eis o que toda a população brasileira aguarda com ansiedade: o fim dessas contendas. A volta da disciplina que há muito vem desaparecendo do mundo cristão para gáudio dos inimigos da Igreja em crise, e vexame dos que a amam agora mais do que nunca.
[1] Últimas Crônicas, 1970
[2] Conselho Episcopal Latino Americano (Nota de Editor)
[3] Verso do Hino Ubi Caritas: Não vamos ser divididos em  mente”. (Nota de Editor)
[4] Obra atribuída ao padre alemão Tomás de Kempis, publicada no século XV. (Nota de Editor)
[5] Gênesis 45,24:”Não contendais pelo caminho” (Nota de Editor)

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