Este texto é continuação do tópico publicado abaixo (Os olhos vêem as aparências - I) cuja íntegra foi publicada no livro Vela de Sebo no ano de 1965.
Os olhos vêem as aparências - II [1]
Sou levado a pensar que as pompas eclesiásticas
foram o principal responsável pelo inconteste prestígio da Igreja na Idade
Média, quando Papas manejavam imperadores como a vassalos seus, doando terras
descobertas, incomensuradas ainda, a reis católicos, e lançando excomunhões
àqueles que lhe negavam obediência e apoio. Mas, os excessos de luxo e vaidade,
favorecendo e incrementando os maus costumes, próprios de uma época leviana, e
mesmo dissoluta, promoveram a ambiência e suscitaram “reformadores” para a
grande heresia do século XVI.
Fuja-se dos excessos. Nem tanto ao mar, nem tanto à
terra. Mas, é certo, “quem com farelo se mistura, porcos o comem”. Fugir da
praxe, tornar-se excêntrico, seria modéstia?
Pode ser que seja; também pode ser que nem seja. Os reformadores e
inovadores devem ser geniais. Caso em contrário, cairão no ridículo.
Senão vejamos: despoje-se o Papa de todo aquele
aparato quem que vive; renuncie aos faustos do seu reinado terreno; extinga sua
corte e a Guarda Suíça; experimente banir o protocolo; proscreva as trombetas
de prata e a cadeira gestatória; ande mesmo a pé, na poeira das ruas,
desacompanhado de dignitários, assessores e fâmulos, como se fosse o mais
humilde dos mortais; traga em cima de si uma só túnica sovada, desprovido de
bolsa e de alforje, e verá quem lhe vai
ouvir a doutrina cristã que escorre de sua boca, quem lhe há de obedecer as
ordens, conselhos e insinuações. Aonde irá parar o seu prestígio pessoal, a
aristocracia da Igreja, sua hierarquia. Tal não acontecerá se a bem da pobreza
desfizer-se de “algumas coisas”, como Paulo VI que se desfez da riquíssima
tiara que lhe ofertara, para a coroação, a gente milanesa, dando, em novembro
de 1965, humana destinação àquele adorno pontifício. Mas, havia à sua
disposição outras tiaras.
De tudo, de todas as formalidades e prerrogativas
não há de Ele despojar-se, porque não é conveniente ao cabal desempenho de sua missão
humano-pastoral...
O povo, a amassa, é muito sensível ao brilho
faustoso das altas aristocracias. É um complexo, uma psicose humana. Como a boa
esposa que se sacrifica – até na mesa – em benefício do esposo, dos filhos;
assim, a massa, sem encarar as suas necessidades, é desprendida, dadivosa,
contanto que seu guia, seu “chefe” brilhe e se firme. É o que se observa em
momentos de exaltação democrática.
Viva o Papa!
Viva o Rei! Viva o excelentíssimo
Presidente da República! Viva o Governador do Estado! São os gritos que
atordoam, saídos do fundo do coração. Ah! Como é inatingível a psicologia das
multidões, quando sacudidas pelo verbo inflamado de hábil demagogo... O
fanatismo, vez por outra, se instala no seio do povo inculto, tendo por objeto
não somente o homem providencial, o taumaturgo, como até ladinos embusteiros.
Porque suscitaram fascínio. Souberam suscitá-los.
Deixem-se aos frades mendicantes os excessos de
desprendimentos. E, enquanto possível, conservem-se as tradições venerandas e
os costumes seculares que os Papas santos e sábios, que os Bispos clarividentes
e argutos, desconhecedores das teses, das anti-teses, dos corolários da moderna
psicologia experimental e da sociologia, hoje tão celebradas, abraçaram
empiricamente, sem escrúpulos, durante milênio e meio, sem propenderem para o
endeusamento do homem, nem descambarem para a popularidade barata, para o
aviltamento. Não censuremos o procedimento da Igreja dos passados séculos, como
insipiente, inócuo e escandaloso, contrário aos princípios cristãos e à mesma
Igreja. Deixemos isso para seus inimigos rancorosos. Que não são poucos.
A Idade Média tinha suas exigências, como a
atualidade, o seu aggiornamento. Tenha-se
em mira das nossas atenções as medidas que promanarem do Concílio Ecumênico
Vaticano II, prestes a encerrar-se; desde a mudança da língua litúrgica
(latina) para o idioma vernáculo de cada povo, até a modificação ou supressão das
vestes talares e dos indumentos episcopais e levíticos, se a tanto chegarem as
resoluções dos Excelentíssimos Padres Conciliares. Mas, seja-nos bem presente
que admitir, facultar,
permitir, tolerar e mesmo aconselhar não são sinônimos de ordenar
e prescrever. Somente estes tem força
coercitiva, os demais são fraquinhos ad
libitum. Pois ninguém está obrigado a fazer uso de um privilégio, de
prerrogativas.
Assim, (em hipótese), a Igreja poderá permitir que padres venham a ser dispensados do celibato, mas não creio que
chegue a ordená-los a que se casem. A não ser a padres que já levem
vida conjugal ou escandalosa; e isto, no sentido de reconduzi-los,
caridosamente, à vida da graça. Só a polícia tem a presunção de “casar a força”
namorados incontinentes; o que, além da contraproducente em seus efeitos
familiares e sociais, esse “casamento a força” é simples formalidade legal, sem
caráter religioso, sacramental. Por isso, quantos ao saírem da “chefatura” se
vão desavindos e separados para toda a vida?
- E a maior vítima quem é?
- O filho nascituro.
Sempre andaremos em caminho certo, quando, guiados
pelo bom senso, palmilharmos a média-vida. Bom senso e equilíbrio estável é
o que começa a faltar nos dias angustiados em que vivemos; inquietos, uns;
apavorados, outros, com os terríveis espectros da fome, do câncer e da
destruição atômica, e assim, vamos sendo
esmagados pelo compressor do século XX.
E a vida continua...
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