segunda-feira, 25 de junho de 2012

Os olhos vêem as aparências - II


Este texto é continuação do tópico publicado abaixo (Os olhos vêem as aparências - I) cuja íntegra foi publicada no livro Vela de Sebo no ano de 1965.

Os olhos vêem as aparências - II  [1]

Sou levado a pensar que as pompas eclesiásticas foram o principal responsável pelo inconteste prestígio da Igreja na Idade Média, quando Papas manejavam imperadores como a vassalos seus, doando terras descobertas, incomensuradas ainda, a reis católicos, e lançando excomunhões àqueles que lhe negavam obediência e apoio. Mas, os excessos de luxo e vaidade, favorecendo e incrementando os maus costumes, próprios de uma época leviana, e mesmo dissoluta, promoveram a ambiência e suscitaram “reformadores” para a grande heresia do século XVI.
Fuja-se dos excessos. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Mas, é certo, “quem com farelo se mistura, porcos o comem”. Fugir da praxe, tornar-se excêntrico, seria modéstia?  Pode ser que seja; também pode ser que nem seja. Os reformadores e inovadores devem ser geniais. Caso em contrário, cairão no ridículo.
Senão vejamos: despoje-se o Papa de todo aquele aparato quem que vive; renuncie aos faustos do seu reinado terreno; extinga sua corte e a Guarda Suíça; experimente banir o protocolo; proscreva as trombetas de prata e a cadeira gestatória; ande mesmo a pé, na poeira das ruas, desacompanhado de dignitários, assessores e fâmulos, como se fosse o mais humilde dos mortais; traga em cima de si uma só túnica sovada, desprovido de bolsa e de   alforje, e verá quem lhe vai ouvir a doutrina cristã que escorre de sua boca, quem lhe há de obedecer as ordens, conselhos e insinuações. Aonde irá parar o seu prestígio pessoal, a aristocracia da Igreja, sua hierarquia. Tal não acontecerá se a bem da pobreza desfizer-se de “algumas coisas”, como Paulo VI que se desfez da riquíssima tiara que lhe ofertara, para a coroação, a gente milanesa, dando, em novembro de 1965, humana destinação àquele adorno pontifício. Mas, havia à sua disposição outras tiaras.
De tudo, de todas as formalidades e prerrogativas não há de Ele despojar-se, porque não é conveniente ao cabal desempenho de sua missão humano-pastoral...
O povo, a amassa, é muito sensível ao brilho faustoso das altas aristocracias. É um complexo, uma psicose humana. Como a boa esposa que se sacrifica – até na mesa – em benefício do esposo, dos filhos; assim, a massa, sem encarar as suas necessidades, é desprendida, dadivosa, contanto que seu guia, seu “chefe” brilhe e se firme. É o que se observa em momentos de exaltação democrática.
Viva o Papa!  Viva o Rei!  Viva o excelentíssimo Presidente da República! Viva o Governador do Estado! São os gritos que atordoam, saídos do fundo do coração. Ah! Como é inatingível a psicologia das multidões, quando sacudidas pelo verbo inflamado de hábil demagogo... O fanatismo, vez por outra, se instala no seio do povo inculto, tendo por objeto não somente o homem providencial, o taumaturgo, como até ladinos embusteiros. Porque suscitaram fascínio. Souberam suscitá-los.
Deixem-se aos frades mendicantes os excessos de desprendimentos. E, enquanto possível, conservem-se as tradições venerandas e os costumes seculares que os Papas santos e sábios, que os Bispos clarividentes e argutos, desconhecedores das teses, das anti-teses, dos corolários da moderna psicologia experimental e da sociologia, hoje tão celebradas, abraçaram empiricamente, sem escrúpulos, durante milênio e meio, sem propenderem para o endeusamento do homem, nem descambarem para a popularidade barata, para o aviltamento. Não censuremos o procedimento da Igreja dos passados séculos, como insipiente, inócuo e escandaloso, contrário aos princípios cristãos e à mesma Igreja. Deixemos isso para seus inimigos rancorosos. Que não são poucos.
A Idade Média tinha suas exigências, como a atualidade, o seu aggiornamento. Tenha-se em mira das nossas atenções as medidas que promanarem do Concílio Ecumênico Vaticano II, prestes a encerrar-se; desde a mudança da língua litúrgica (latina) para o idioma vernáculo de cada povo, até a modificação ou supressão das vestes talares e dos indumentos episcopais e levíticos, se a tanto chegarem as resoluções dos Excelentíssimos Padres Conciliares. Mas, seja-nos bem presente que admitir, facultar, permitir, tolerar e mesmo aconselhar não são sinônimos de ordenar e prescrever. Somente estes tem força coercitiva, os demais são fraquinhos ad libitum. Pois ninguém está obrigado a fazer uso de um privilégio, de prerrogativas.
Assim, (em hipótese), a Igreja poderá permitir que padres venham a ser dispensados do celibato, mas não creio que chegue a ordená-los a que se casem. A não ser a padres que já levem vida conjugal ou escandalosa; e isto, no sentido de reconduzi-los, caridosamente, à vida da graça. Só a polícia tem a presunção de “casar a força” namorados incontinentes; o que, além da contraproducente em seus efeitos familiares e sociais, esse “casamento a força” é simples formalidade legal, sem caráter religioso, sacramental. Por isso, quantos ao saírem da “chefatura” se vão desavindos e separados para toda a vida?
- E a maior vítima quem é?
- O filho nascituro.
Sempre andaremos em caminho certo, quando, guiados pelo bom senso, palmilharmos a média-vida. Bom senso e equilíbrio estável é o que começa a faltar nos dias angustiados em que vivemos; inquietos, uns; apavorados, outros, com os terríveis espectros da fome, do câncer e da destruição atômica, e  assim, vamos sendo esmagados pelo compressor do século XX.
E a vida continua... 

[1] Publicado em Vela de Sebo, 1965

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