Salvo melhor juízo[1]
Veio
também o costume (que de começo, tanto me chocou) de padres seculares e até
religiosos deixarem no prego as velhas batinas ou suas estamenhas para
envergarem elegante clergyman, num país católico, há muito familiarizado
com sotainas e buréis, como o nosso caro Brasil. Foi quando se insurgiu o abuso
por parte de alguns (hoje, de muitos) de usarem calças e camisas esporte.
Concomitantemente, e como corolário, veio o costume
de deixarem crescer a coroa. Alguns frades mendicantes já rasparam toda a cara
com manifesta vantagem de higiene. Em contrapartida, já não fazem a tonsura.
Para que, se o hábito e a tonsura nunca fizeram o monge? Mas, é certíssimo,
identificavam-nos. E lhes ficavam tão bem... Também os nomes recebidos na
profissão religiosos não significam muito. Observava Gilberto Freyre, em seu “A
propósito de Frades” (pág 32):
“Sabemos que sob nomes seráficos de homens
aparentemente só de Deus, chamados da Paz, dos Anjos, do Salvador, de Jesus, da
Purificação, do Sacramento, de Santa Rosa, da própria Santíssima Trindade,
agitaram-se políticos mais zelosos das liberdades do século que das verdades
eternas; mais apegados a causas do momento que às de sempre; e que, sob nomes
de servos de Maria, Virgem Santíssima, vibraram corações apaixonados, alguns
deles, por marias apenas de carne e virgens somente da terra. Foram esses
frades mais do mundo que do claustro; ou mais dos reis do que do Rei dos
reis...”
Tratávamos daqueles costumes novos que, se
permitidos por quem de direito – bispos e superiores religiosos – que teríamos
a dizer em contrário, nós, modesto católico nominal? Nada! A propósito,
lembra-me um episódio. Eu havia chegado ao Seminário Provincial de São Paulo –
era ainda na Luz –com um atraso de vinte e quatro horas, para iniciar o curso
trienal de filosofia. Os alunos já se achavam em retiro fechado. Estava, pois,
conversando com o porteiro, quando se aproximou um clérigo, partilhando conosco
da conversa. Pareceu-me muito moço. E, como quem procurava travar conhecimento,
perguntei-lhe que ano ia cursar:
-Se você for para o 2º ano de filosofia, vamos fazer
o curso juntos.
Deduzindo que se tratava de um filósofo, abri-me com
toda franqueza. Foi quando, dando uma volta sobre os calcanhares, deixou ver,
no alto da cabeça, bem feita coroa sacerdotal. (A tonsura dos menoristas era
muito menor).
-
Ah! – disse-lhe
– O senhor estava caçoando de mim. O senhor já é padre...
Sem nada retorquir, afastou-se, rindo. Na manhã
seguinte, achando-se todo o seminário na capela para ouvir missa, eis que sobe
o altar mor o meu interlocutor da véspera. Era o padre espiritual da casa e
abalizado professor de filosofia, Pe. Paulo de Tarso Campos, hoje venerando
arcebispo resignatário de Campinas, São Paulo.
Logo
que possível, fui até ele para pedir-lhe desculpas pelo qüiproquó. Recebeu-me com indulgência e declarou-me:
-
Fiquei contente
em parecer mais moço. Não se incomode com isso.
A coroa identificara o padre. Mas, a coroa clerical
ou monacal já não tem caráter de necessidade – pelo que se vê – e tornou-se
anacrônica, não estimada por muitos, que usam slack. Assim sendo, fosse
abolido também o rito da prima tonsura, já que os clérigos de todas as ordens
sacras deixaram-na cair em
desuso. E faria isso com todo o necessário respeito. Sou
levado a considerar a tonsura como merecedora de cair no olvido, traduzindo
assim o pensamento alheio. Era um rito poético, cheio de simbolismo o da sua
imposição, mas, se a tonsura não há de raspar-se nunca mais, no meu fraco
entender, devia-se ser suprimida também a cerimônia da sua imposição; não
havemos de multiplicar as coisas sem necessidade. Salvo melhor juízo.
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